Tudo de Mim

Estou saindo, levando o pouco que acumulei com os anos. Nunca fui de guardar. Estou saindo levando o que me basta. Estou partindo porque já não tenho mais o que dar. Só hoje, entre um gole de café amargo e outro, é que fui perceber o volume assustador de tudo que te dei. Percebi como quem nota um quadro torto ou um item que falta na lista do supermercado. Percebi como quem nota, depois de anos, um detalhe no tecido cansado que veste o sofá.

Hoje percebi que o amor que senti não era mais do que as sobras do que dei. Na verdade, o amor, que por vezes pensei sentir, só foi reflexo do amor meu. Hoje notei o tanto que dei em troca de sua pouca fundura. Por todos esses anos, molhei os meus pés delicadamente enquanto morria de sede, encantada pelas ondas breves das suas palavras. Eu quero mergulhar, me sentir tomada. Eu quero me banhar em todo o amor que existe por aí. Esse amor que também é meu.

O que você ainda quer? Se dei-te todo o meu tempo, todos os meus tempos. Te dei o porvir, acreditando que amores podem ser construídos com paciência, em uma ciência quase inexata de fé. Deixei meu passado, que você preferia evitar. Quem sabe porque ele lembrava que eu podia sim ser muito feliz. Em troca, recebi a ausência que eu mesma poderia ter me dado. Mas, agora, não há mais
nada pra dar, nem tempo nenhum a perder. Já estive distraída por tempo o suficiente.

Estou saindo e levo comigo bem pouco porque tudo o que quero e preciso me espera do lado de fora. Aqui, dentro, comigo, eu só carrego uma desorientação quase que abissal e um medo que quase nem pode ser medido. Mas, ainda assim, eu prefiro o ar temperamental do que me é imprevisível do que a órbita segura e fria de viver à sua volta, te esperando me esperar. Eu carrego dor e silêncio e sei que, em um tempo tão breve quanto o descanso diário dos seus olhos sobre mim, não haverá nem isso.

Não digo que dei tudo de mim. A vontade de estar viva continua aqui. Isso nem mesmo você pode me levar.

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