Se

Perdi as contas de quantas vezes deixei de dizer. Afastei os lábios, inclinei-me em sua direção, inflei o peito, projetei a primeira da fila de palavras, mas não disse. Você estava ali, a alguns centímetros do meu toque, somente os sulcos das nossas digitais separavam você da minha paz.

Hesitei em pedir socorro, pedir licença, pedir silêncio. Protelei o que poderia ter sido um beijo ou o melhor de todos os beijos. E é este o meu câncer parcelado; jamais saber. Desisti de ligar com todo o número já discado, desisti de gritar seu nome depois de caminhar até a sua porta de madrugada, escrevi uma carta inteira, que nunca será enviada, mas é sua.

E se eu tivesse feito, naquele momento, o que a minha loucura mandava? E se eu tivesse simplesmente tocado o seu cabelo cheiroso e depois pensado na desculpa perfeita esfarrapada? Pensei que os “ses” ficariam lá atrás, na curva dos meus vinte e poucos anos. Talvez eu tenha subestimado a longevidade da minha insegurança.

O rapaz que lia o único livro de Augusto dos Anjos na estação de metrô estava ali, eterno, congelado, naqueles dois segundos entre a página virada e a sua distração para arrumar a gola da camisa. Se eu tivesse brincado, melhorado seu dia, confessado que também adoro o poeta químico? Ele teria sorrido? Teria se irritado? Teria me resmungado que sou doido, mas gostado? Teria levantado e me convidado para recitarmos juntos nosso poema rancoroso preferido? Se.

Hoje, eu cheguei bem perto daqueles ombros delicados, daqueles olhos miúdos e saltei. Eu poderia ter morrido, queimado ou congelado, eu poderia ter sido ignorado, crucificado, pecado por excessos ou por omissão, eu só não poderia continuar aprisionado a um eterno futuro do pretérito — Oi! — quase que tossido e ele se virou sorrindo — Estava pensando em como falar contigo — Centenas de milhares de milímetros vencidos. Vença o se por si. Só isso.

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