Quanto mais escura a noite

Conversávamos através das paredes finas das barracas, como duas crianças. Maurício já tinha prometido dezenas de vezes subir até o Pico das Cinzas comigo. Tarde da noite e ele me contou sobre a primeira vez que estivera ali. Há quinze anos, perdido com mais cinco companheiros de trilha, andando durante a madrugada, sem saber ao certo para onde estavam caminhando, sem poder parar e acampar no terreno acidentado, sem baterias nas lanternas, sem estrelas que os guiassem. Breu.

Tateando o caminho com os pés, Maurício parou por um segundo para ouvir um choro. Uma moça do grupo chorava desesperada, assustada, com frio. Seguindo o som dos soluços, meu amigo alcançou seus dois ombros e disse olhando nos olhos dela, não vendo-os, mas imaginando-os brilhando nas trevas daquela noite — Acalme-se, vai amanhecer em alguns minutos e nós reencontraremos nosso caminho.

Suas palavras a calaram — Como você pode saber? Como sabe que vai amanhecer? Não tem sequer um sinal de luz no céu e eu estou tão cansada — suspirando fundo — Ano após ano observando o céu pacientemente, eu aprendi que quanto mais próximo do nascer do sol, mais escura fica a noite — e um filete laranja do sol se espreguiçando começou a iluminar devagarinho o sorriso que eles trocavam sem saber.

Quantas vezes tive medo, perdi a fé, me senti o mais sozinho dos homens? Quantas vezes me perguntei onde tinha errado o caminho, quando me deixei encobrir pelo manto da tristeza? Eu só queria ter ouvido essa frase antes. Eu só queria tê-la em meus dias mais tristes para me dar a certeza de que a escuridão total à minha frente era também um sinal doce e certeiro de que a luz estava para chegar.

É isso que me faz seguir caminhando, essa sabedoria que Maurício tinha sem perceber, de que até mesmo a dor é carregada de sinais de que as feridas se curam, os embaraços se desfazem e a manhã nem tarda, nem falha. A manhã sempre vem pra nós.

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