Plantar pássaros

Gualter era imprevisível como o céu de Londres e Deus sabe como isso me fascinava — Vou comprar um sítio! — atirou meu amigo — E o que você vai fazer lá, Gualter? — ele sorriu com aquele ar de quem estava torcendo para que perguntassem — Vou ter uma plantação de pássaros. Várias espécies deles! — eu não tinha escutado mal, plantação, disse ele.

— Terei de fazer um pomar imenso, com muitas frutas e vários tipos de flores. Com os anos, os pássaros brotarão e logo estarão cantando. Sem gaiolas, entende? — um gênio! Gualter era mesmo do tipo que gostava de amores difíceis. Nunca namorou uma mulher que vivesse na mesma cidade, tivesse a mesma faixa etária ou estado civil que ele. Aquele homem adorava desafios, epopeias sentimentais. E quem não adora?

Essa conversa com Gualter me lembrou uma antiga canção basca que adoro: Eu me apaixonei por um pássaro. Eu queria cortar as suas asas para que ele nunca me deixasse, mas ele não seria mais o pássaro por quem me apaixonei. Ninguém nunca havia resumido tão bem o amor quanto esta antiga canção basca. Está tudo aí, a primeira beleza, as diferenças, a insegurança, os sentimentos pequenos, a abnegação, a generosidade.

Gualter amava pássaros e só os entendia livres. Por que teimamos em tentar mudar as características que nos seduziram? Por que insistimos em cortar as asas, secar o canto, minar o brilho lindo dos olhos que iluminam também os nossos? Essa conversa toda me preocupou por um tempo. Não sou do tipo que planta coisas. Na pré-escola a experiência com feijõezinhos em algodão molhado foi traumática. O meu brotou, fez a curva e morreu — Até meus cactos morreram, Gualter! — ele me acalmou sorridente — Talvez você seja o pássaro de alguém.

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