Perder os sapatos

Você não é mais a mesma pessoa. Você mudou muito — tenho ouvido tanto isso. Eu sei, eu mesma os acostumei mal. Eu mesma me fiz esperar para os empurrar pra cima. Eu entendo que ninguém consiga entender.

Mudei muito, mudei tanto e tão vertiginosamente, de repente. Um dia, eu acordei e já era outra. Nem a numeração de sapatos permaneceu a mesma. Perdi todos. Todos os meus sapatos. Meus pés não aumentaram, nem encolheram. Ficaram ágeis, cheios de vontades, meus pés aprenderam a dançar, sem pressa, sem se machucar, apenas respeitando o ritmo que as coisas devem ser. Não “ter”, mas “ser”. O ritmo de ser eu mesma.

O passo é simples, mais fácil que dois pra lá, dois pra cá. A fórmula é e deveria sempre ser: eu, eu, você. Ímpar e honesta. Como uma ciranda, em que só se dá um saltinho lá na frente. Todo resto é aqui, toda a base é para cá, onde mora a alma das coisas.

É engraçado ouvir que mudei tanto de alguém que mal me conheceu bem, que sequer me enxergou de verdade. Sim, não sou mais a mesma. Agora sou uma que sabe quem realmente importa. Não é egoísmo. Eu já dei tanto, por muito pouco em troca. Entendeu? É a conta, já estão aí inclusos os dez por cento do bom atendimento.

Sou eu, descalça. Os outros que esperem na pausa da música, na curva da valsa, no espaço que há entre cada necessidade minha, que já nem me cabe. Perdi meus sapatos quando aprendi a dançar. Sim, eu mudei, querido. Alguém tinha que mudar.

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