Passado Amor

Estávamos nos bastidores de um evento em que eu ia dar uma palestra. Seu Inácio era um conhecido das antigas, de outros festivais, por assim dizer. Eu já havia assistindo alguns shows dele e de sua família. Um grupo lindo de rabequeiros que sempre me emocionava muito. Senti falta de dona Maria Flor, sua mulher, que dava o tom rezado para os vocais – Ela faleceu, faz dois anos – me contou sentido. Pedi desculpas. Eu realmente não tinha como saber.

Me contou, chegando mais perto, mirando a fala pro chão, que há pouco mais de dois meses havia se apaixonado novamente. Quase setenta anos. Após passado o luto da perda da companheira de uma vida inteira, reencontrou uma amiga dos tempos de moço, com quem tinha tido um namoro breve. Na época, ela era muito intempestiva, briguenta e ele não queria compromisso. Afastaram-se. Para surpresa dele, também era viúva recente. História de novela. Voltaram a se conversar, a se fazerem companhia, voltaram a se amar, depois de mais de cinco décadas.

Ainda era amor puro, deixou claro pra mim. Gostavam de passear, jantar juntos, conversar por um tempão embaixo da oiticica centenária do quintal. Nem beijo havia acontecido ainda. Duas crianças namorando sem a outra saber. Questão de tempo. Tempo que não tinham, mas nem por isso faziam questão de apressar. Deu a hora do show e Seu Inácio me deixou ali, com meus pensamentos. E não é que o amor nem sempre vem do novo? Talvez você possa se apaixonar outra vez por alguém que já passou. Pelo que ela se tornou com o passar do tempo.

A gente olha, não adianta, sempre para o novo. A gente imagina que o amor vem pela porta da frente. Talvez não. Talvez você não precise contar toda sua história novamente, talvez você não precise justificar suas manias, talvez você possa viver novas memórias com alguém do passado. Talvez. Há gente que não muda, claro. Gente que não escuta as prosas do tempo, que não aprende com os próprios erros, gente que só seria em nossas vidas o mesmo erro, como um filme reprisado até o cansaço na Sessão da Tarde. Não há segurança, não há garantias. Assim é todo amor novo. Basta deixar-se apaixonar outra vez.

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