Nane

O portão se abriu devagar, ela colocou uns dedinhos pra dentro e depois embicou o rosto, curiosa — Nane? — Era a primeira vez que a via, mas não parecia. Parecia que ela sempre tinha estado ali. Um cabelão grande, cacheado e vermelho, um par de óculos que não conseguiam segurar seus olhos que sorriam por conta própria. Nesse dia senti um alívio tão grande, que na época eu não entendia. A minha cabeça cabia perfeitamente na calma daquele ombro.

Ela mudaria a minha vida, sem nenhum alarde, devagarinho, como quem conta um segredo inocente. Enquanto precisei de mãe, ela foi colo. Quando precisei de coragem, irmã minha. Quando precisei aprender, fingia ela que também não sabia para reaprendermos juntos. Me admira essa delicadeza de quem ensina, de um jeito tão doce que a gente chega a pensar que descobrimos algo sozinhos, ali no tato. Mas era ela, sempre ela à volta minha, maiorando-me.

E foi ela que me contou que a gente pode florescer em qualquer lugar. A gente floresce no meio do trânsito que não anda, ao ver a criança com o nariz e a testa grudados na janela. A gente floresce em cima de uma tolha que se estende na praça pra comer algo que sempre comeu entre a cozinha e sala, em pé. Uma cor nova numa parede antiga muda mesmo a gente de casa. A gente precisa urgentemente ser feliz do jeito que der pra ser agora, do jeito que a gente é. Basta olhar de novo, só que diferente.

Quando precisei ter sentido, ela se deixou ser filha. Quando precisei de tempo, ela se fez espera. Quando precisei de fé, ela me foi manhã. É por isso que a gente sempre inventa uma desculpa pra ficar mais perto, conversar mais meia horinha, pastorear uma constelação, rir até doer a barriga como se a gente não tivesse juízo. Vá buscar pela mão essa pessoa que te engrandece, coloque-a pertinho e sussurre um segredo que se prolongue. Um segredo contado por toda uma vida, para aquela que é antes de tudo sua amiga. Eu não consigo mais dar nomes, basta chamar — Nane — e ela aparece no portão.

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