Menino

Eu insisto. Insistir é meu dom maior. Contra quase tudo o que já vivi, eu prefiro seguir acreditando, teimando que não é só isso. Que há um maior sentido do que acordar e temer relógios, que há maior razão que só afastar o calor ou vencer o frio. Há uma fome maior, uma fome que não come.

Eu prefiro acreditar que há poesia costurando as coisas, que pode haver doçura ali mesmo, na véspera da pressa, na borda do atraso, no próximo passo, escondida em algo banal. Eu prefiro insistir que não é só o que acham que eu mereço, o merecido. Se por um segundo você deixasse de lado toda a certeza que tem, toda a razão que defende, se levantaria e enxergaria também, comigo.

Não daria dois passos, nem viraria a mesa, as maiores mudanças são silenciosas, elas explodem como uma luzinha no fundo do olhar — Cabum! — e você voltaria a notar o céu sobre e não sob você. Você voltaria a ter o dom de interpretar as nuvens, conversar com estrelas, enxergar o coelho que mora na lua. Bastaria um segundo para você perceber que tem se dado demais para coisas que importam bem pouquinho no final das contas.

Por isso, eu prefiro insistir que sim, eu vim ao mundo a passeio. Isso aqui tudo sempre me pareceu um longo passeio numa manhã de sol. Não é possível que você também não esteja sentindo os dedos delicados do sol na sua testa, como as mãozinhas de uma criança, quase que não encostando. Você não consegue ver? As árvores estão dançando, como velhinhas em um passo antigo que só elas podem entender.

Eu vim, vim a passeio pra ver. Vim grudado na janela encantado pela correria das árvores na beira da estrada, vim imaginando o que tem lá, depois do azul do teto do mundo. Eu vim, cheguei menino e, meio que distraído pela doçura das coisas miúdas, me mantive assim. Eu me esqueci de endurecer. Prefiro seguir pequeno porque há mais beleza nas miudezas. Prefiro ver tudo de perto. Tudo no mundo aponta — Olha, lá! Olha, ali! Bem ali! A beleza que a vida escondeu pra você encontrar.

Comentários

Leia também