Bendito

Hoje foi um dia bom. Só queria te contar isso. Acho que entre todas as coisas que me fazem falta, te contar meu dia é a maior delas. Revisitá-lo nos seus olhos, melhorá-lo aos seus ouvidos, rir dos meus sufocos a partir do teu riso.

Se houvesse como brotar um hiato entre tudo o que foi dito de amargo entre nós. Se houvesse como apagar por cinco minutos a estranheza que sentimos, nossa apatia diante da dor, nossos medos, nossos ciúmes, calar nosso silêncio monstruoso.

Se todos os meus erros fossem como um barco que já vai longe e sumisse entre uma ondinha e outra. E nesse espaço coubesse ainda alguma doçura e cumplicidade, tudo o que eu queria era saber também do seu dia.

E teu peito, subindo e descendo, iria me acalmar. E sua voz, primeiro eufórica, depois mais calma, depois baixinha iria me contar que cheguei em casa. Desde que você se foi que não chego em casa. Eu entro pela porta, aparto as correspondências que importam, faço um chá, mas não é ali que eu moro. É um semi-lar.

Hoje eu só queria uma dose farta daquelas rotinas que já me pareciam tão chatas. Seus perrengues no trabalho, sua encrenca com o banco, sua negativa bem-humorada pro pedinte, o aumento do preço do achocolatado.

Eu ouviria tudo, amando a rasura, adorando a futilidade, porque hoje sei que não importa tanto do que se fala. Todo dito é bendito pelos lábios de quem se ama.

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