Marcos

Há quase 20 anos, nasceu o guri. Enrugado, curvadinho, como se fosse uma interrogação. Tão miúdo que sumia nos braços, tão gigante quanto os sonhos que o envolviam antes mesmo de nascer. Ali, nadando no universo infinito e vasto que era sua mãe, dançando no escuro, escutando o mundo através das paredes delicadas da existência dela, ali, em meio a tanta emoção, ficou sem ar antes do parto. Ossos do ofício de ser astronauta.

O médico, meio que sem jeito, veio contar que havia pouquíssimas possibilidades para aqueles olhinhos brilhantes. Talvez ele pudesse andar, mas não falar. Quem sabe, falasse, mas não sentaria. Havia a possibilidade de que ele comesse sozinho, mas se chegasse a tal ponto, provavelmente não aprenderia a ler ou escrever. E nem os pais, nem o irmão mais velho conseguiram entender coisa alguma do que aquele homem dizia, porque aquela falta de crença imensa não se parecia em nada com toda a esperança que o pequeno lhes deu.

Ignoraram, como é de praxe dos sábios fazerem. E, enquanto as outras crianças corriam suadas nos parquinhos, Marquinhos dava o primeiro passo após meses de fisioterapia. Um pequeno passo para um homem, mas um grande passo para as possibilidades que se abriam. Eles nem desconfiavam que no mundo houvesse tanto tipo diferente de sabedoria: fonos, psicólogos, ortopedistas, neuros, uma infinidade de especialidades para um garoto especial. Uma luta gigante, dia após dia, do tamanho dele. Andou, falou e não parou mais.

Há dois anos, Marcos, como orador da turma do colégio, disse que seria educador. Discursou bonito, de pé, cercado dos amigos que conquistou pela vida. O médico estava certo: Marcos não aprendeu a andar. Marcos aprendeu a voar. Marcos adora cinema, aviação, política, história. Marcos adora ensinar e me ensinou que as limitações quem nos coloca são os outros, mas quem as aceita ou não, no final, é mesmo a gente.

Hoje, recebemos a notícia de que Marcos foi aprovado no vestibular. Magrelo, alto, estirado, aquele guri enrugado que já foi dúvida para alguns, tornou-se uma exclamação, jamais um ponto final. Hoje, talvez com o peito estufado um tantinho mais, eu digo o que tenho repetido por mais de 20 anos, em defesa, por orgulho ou por gratidão: eu sou o irmão do Marcos.

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