Inteiro

Era uma fila de uns doze garotos. Olhavam de canto de olho até onde a vista alcançava e então saltavam, um a um, nas águas negras e frias do Poço do Diabo. Em meu momento de ser coragem, empaquei. Travei os joelhos e fiquei encarando os moleques pequenininhos surgindo de dentro da água, heroicos. Aquilo não era pra mim. Meus maiores medos casados: altura, fundura e entrega.

— Eu sei o que você está pensando — disse Julião do meu lado — Mas esperar que o medo passe  para pular é bobagem. Esse medo aí que você está sentindo nunca passa. É mais instinto que razão. O maior erro é não tentar — olhando fixamente dentro de mim — Eu vou saltar, Julião, só estou me preparando — calculando outra vez a distância.

— Não existe meio pular. Ou você pula, ou não pula. As pessoas só saltam porque sentem medo. Naqueles três ou quatro segundos de queda, você vai se sentir mais vivo que nos últimos três ou quatro anos — Ele estava certo. A vida não se alimenta de metades. Não existe meio viver, meio encontrar, meio sentir. Não existe lágrima cortada, saudade regrada, felicidade dividida e guardada pra requentar mais tarde. Se é pra ser feliz que seja por inteiro, que seja agora.

Salte comigo, no meu peito, no meu riso, no amor que te dou. Salte, ainda que com medo. O medo só se alimenta de tudo que não foi completamente dito, dos beijos pela metade, das meias verdades. Eu não sou tua metade, eu sou teu inteiro: meus beijos de olhos fechados, meu abraço sem pressa, meu ombro calado, meu desejo, minha loucura, minha demência, meus medos, minhas águas turvas, ainda que calmas.

— Pense que quando você salta, o poço também salta na sua direção. Vocês se mergulham um no outro — disse Julião soltando meu braço. E eu fui, inteiro. Abri devagarinho os braços. Amar é alto, querer é fundo, viver é entrega. Maior erro é não tentar, maior erro é não tentar.

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