Hava Nagila

Era um ensaio aberto da Orquestra de São Pedro. Sentei-me, quase que sem perceber, ao lado de uma senhora muito elegante, de olhos grandes, pele pálida e um vestido de cetim escuro. Poucos segundos depois, ela se levantou incomodada. Saiu pela porta e voltou em seguida. Fez a louca e sentou ao meu lado dando boa-noite. Era dona Leeba.

— Um homem não pode se sentar assim ao lado de uma senhora desacompanhada — cochichou pra mim, como se falasse de outra pessoa — Me desculpe. Mas por que a senhora se sentou do meu lado outra vez? — indaguei — Ninguém manda em mim — fazendo bico. Os instrumentos se afinando, resmungando entre si. Leeba não parou de falar um só segundo e Deus sabe como gosto de gente assim, que adora contar a própria história como se ela não lhe pertencesse.

Viúva, judia e fascinada por política, dona Leeba havia perdido o marido e o único filho afogados. O pai foi tentar salvar o menino do abraço do lago e acabou sumindo também. Fiquei procurando a dor sem tamanho, a tristeza sem fim, a solidão descabida nos olhos daquela mulher e não vi — Como você consegue? — perguntei já completamente de costas para a orquestra que começava a se posicionar.

— A minha família sobreviveu ao Holocausto. Nossa vila foi comida pelo silêncio. Quando chegou a primavera, as mulheres da minha família tiveram uma ideia: um festival de dança. A maior festa que já havia se visto nas redondezas — sinalizando com as mãos que não a interrompesse falar — Eu sei, parece estranho. Mas dançar é uma forma de afirmar que estamos vivos, e cantar, de que não estamos vazios. Você conhece Hava Nagila? — fiz que não com a cabeça e ela me puxou a orelha — Claro que conhece — começando a cantar. Eu realmente conhecia.

Acorde, desperte, diz Hava. Acorde com um coração contente. Quando a dor atingiu aquele povo, eles dançaram e cantaram para trazer de volta a alegria do passado, pegar um pouco emprestada do futuro. Essa era a essência de Leeba — Eu não podia me dar ao luxo de não ser feliz, meu filho. A maior prece que existe é a alegria — disse duas vezes com aquele sorriso retangular — Agora faça silêncio. O maestro vai entrar. Você conversa demais — apertando meu nariz.

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