Gigante

Peguei em seus braços e os abri como se fossem asas que acabaram de estrear. Disse-lhe que respirasse, fechasse os olhos e me ouvisse atentamente. Ela o fez meio que sem querer, mas também sem forças para recusar. Em todos aqueles anos, nunca havia visto Maitê com tanto frio, com tanto medo, com tanta pena de si mesma.

Acontece que de tanto pensar em seu copo meio cheio ou meio vazio, ela acabou esquecendo-se que o que importava mesmo era bebê-lo. De tanto remoer o passado que não se pode remendar, de tanto temer um futuro que nem veio, de tanta ânsia de não perder e de não se esquecer das próprias culpas, Maitê acabou por não sair mais do lugar. Visitante de si mesma.

Virei-me de costas pras costas dela, juntei as esquinas dos nossos braços, me curvei em direção às pontas dos meus pés e a puxei por cima de mim. Deitada com suas costas sobre as minhas costas, ficou em silêncio por alguns segundos, poucos antes de respirar bem fundo — O que você está vendo daí, Maitê?, perguntei, ainda emborcado em mim mesmo — Eu estou vendo. Eu estou vendo tudo!

Às vezes, a gente só precisa olhar diferente. Ao olhar para cima, o gigante é tão pequeno quanto o menino. Ao olharmos para o céu, ao nos reconhecermos como filhos das estrelas, frutos de tudo que é infinito e imenso, nós nos lembramos que podemos ser tão maiores quanto pode ser a nossa confusão. Lute de igual para igual, até retomar seu posto de ser maior que o mal que tenta te sufocar. Lute, mesmo sem enxergar. Recuse-se a morrer, a se deixar engolir pela névoa delicada da tristeza, a se confundir com a poeira da casa.

Você pode ser bem pequena de pé, olhando para a grandeza de todo o mar, mas se juntar as mãos em concha e represar sobre os palmos uma parte dele, é o mar que se torna miúdo. E foi aí, após decidir ajeitar a vida pelo que tinha à mão, que era somente o seu presente, que Maitê parou de medir seu copo e começou a beber a goles fartos as chances que a vida lhe deu.

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