Em Fuga

Tente disfarçar enquanto lê isto. Sou eu. Sempre serei eu a lhe escrever. Hoje, roubarei você de seu radiano de vida, te levarei comigo. Não sorria ainda. Fuja comigo. Há um lugar perfeito para o esconderijo. Um lugar desconhecido, inclusive pra nós. Fuja comigo que contigo as minhas necessidades tantas se resumem a uma só, te acompanhar.

Nós não sairemos correndo. Correndo não. Deve ser uma fuga lenta para que ninguém desconfie. Tão lentamente que todos pensarão que ainda estamos lá, consolando os móveis, mantendo abertos os buracos das portas, movendo a areia da casa para todos os cantos. Mas nós, nós sabemos que estamos fugindo, saindo, um milímetro a mais a cada novo segundo.

Eles só notarão a nossa ausência com o passar dos dias, quando olharem para o seu assento à mesa calado, quando notarem que ninguém canta mais sob o banho frio das sete, e as flores se contorcerem de saudade, e as vigas do telhado reclamarem a falta de sentido, e os canais da tv se tornarem um só, esquecido. Quando notarem que lhes falta algo, já estarei longe contigo embaixo do braço, como
se eu fosse um pivete.

Fuja comigo e eu também irei. Deixarei a chaleira chamando ressecada, deixarei os chinelos fazendo companhia para o tapete e todos os enfeites que eu trouxe do mundo se perguntarão por mim, em diversas línguas diferentes.

Abandonarei o telefone insistente, a escada que sobe, a sacada que espia, deixarei a casa vazia remoendo seus segredos e irei morar em você. Não se demore que estou passando e a vida vai passando também.

Comentários

Leia também