De Volta

Diziam os antigos que os homens eram anjos lançados à Terra pra aprender os dons do sentir. A eles foi dado um desafio — ao perder uma de suas asas, cada um devia encontrar um jeito de voltar pro céu. Quando conseguissem isso, descobririam também o mistério da vida humana. Centenas de milhares deles, lançados ao mundo, meio mancos. Só com uma asa.

Aí, durante milhares de anos, os homens tentaram de tudo pra voltar pra casa. Subiram montanhas que os aproximavam das nuvens, construíram máquinas que os levassem bem alto, plantaram árvores que cresceriam até o céu. Mas nada parecia funcionar. Com apenas uma de suas asas, todos os anjos estavam aprisionados por aqui, sem poder voltar.

Aos poucos, eles perceberam duas coisas fascinantes — primeiro que seu esforço de voltar ao céu havia desenvolvido, sem querer, os saberes da humanidade. Ao seu modo, cada um havia evoluído em ciência e sabedoria.

Segundo, que a resposta pro enigma que os havia trazido sempre esteve ali, ao lado. Abraçados, cada anjo com sua asa solitária formava um par de asas. E o outro era a bênção, e o outro era o equilíbrio. O outro era a liberdade, e também era o sentido. Sempre que penso nessa história, me lembro da minha amiga, Nane.

Porque é exatamente assim que me sinto — abençoado pelo nosso encontro. Sinto que juntos poderíamos cumprir qualquer jornada. Nas noites em que eu estivesse cansado de bater minha asa, ela se esforçaria um pouco mais com a sua e nós seguiríamos. Nas tardes em que a fadiga e a descrença a alcançassem, eu tornaria possível e permaneceríamos avançando.

Quando estamos longe, sinto meu mundinho ficar pesado, em processo claro de desequilíbrio. Basta um ‘oi’ e já volto a enxergar respostas, a aceitar caminhos, a ficar levezinho, a flanar em suas histórias. E com tanto amor, tanto cuidado, tanta candura e afeto, nem percebemos que, aos pouquinhos, estamos mesmo retornando. Amigos são a asa que nos eleva e faz a gente enxergar mais longe.

Os amigos são anjos que levam a gente de volta pra casa. Assim já diziam os antigos.

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