Dançar solo

É claro, o amor é adorável. Sou fã dele. Fã número um. Admirador convicto dele e de tudo que já descobri aos olhos de quem amei e talvez ainda ame. Acontece que recentemente entrei para uma espécie de clube: a Incrível Companhia de Dançarinos Solos. E lá, estar sozinho não é somente compreensível, como relativamente necessário.

Começou em uma tarde, saí pra dar uma volta e sob o céu alaranjado de outono, vi um homem dançando sozinho sob a marquise do elevado. Com enormes fones de ouvidos e os olhos bem fechados, ele dançava como se estivesse em um lugar deserto ou para uma plateia imensa de um antigo teatro. Algo no meio disso.

Desde esse dia, uma paz diferente se alastrou em mim. Eu que sempre busquei companhia, consolo, afeto, calor, amor em cada novo olhar, simplesmente fechei meus olhos e comecei a dançar sozinho, na vida. Sem solidão, nem desespero, nem grande resiliência, nada drástico. Tratava-se de um número novo, nunca antes apresentado.

Entendi que aquele era o meu momento de dançar sozinho, de olhos fechados, com minha música preferida bem alta. Assim, comecei a fazer parte da Incrível Companhia de Dançarinos Solos: não pela dor, mas pela clareza; não pela solidão, mas pela necessidade de me sentir inteiro; não pela vontade de me esconder, mas pela liberdade adorável de me mostrar, sem tréguas, nem reparos ou pedidos de desculpas.

Hoje sou eu quem dança, cozinha, caminha, viaja, compra flores, escolhe filmes, tudo, sozinho, feliz da vida. E esse cara que tenho enxergado quando olho pra dentro tem me surpreendido. Ele também pode ser adorável.

Não, eu não estou fechado. Muito pelo contrário: eu estou dançando. Adoravelmente sozinho, ainda que não faça sentido pra muita gente que jamais experimentou a doçura que é mergulhar inteiro na beleza dos próprios passos.

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