Crise de abstinência

Acordou de um pesadelo, suando, sem fôlego. As mãos trêmulas tentavam acalmar o próprio peito. A garganta seca, estava fechada, a cabeça doía, as vistas embaçavam num misto de dor e de lágrima. Três meses limpa, sem nada, nem uma pequena parte. Mas naquela noite, tudo nela pedia que voltasse a ser quem era antes.

Ainda sem ar, também não ouvia, nem mesmo os próprios zumbidos, muito menos a própria razão. Não podia, não podia ignorar tudo o que lutou, tudo o que sofreu, tudo o que perdeu pelo caminho. Não podia, mas queria, mesmo que por dois segundos, saber que gosto tinha outra vez. Tinha gosto de liberdade, enquanto prendia. E gosto de verdade, enquanto mentia. Tinha gosto de viagem, enquanto só uma parte ia.

Mas sempre, a cada nova crise, aquela mesma sensação de que os meses pudessem ter mudado algo a levava a pensar que aquele gosto tão conhecido podia mesmo ter tomado um gosto diferente. Teve cãibra, febre, alucinações. Naquele instante toda a dor vivida antes parecia pequena diante da dor que sentia agora. Parecia mesmo valer a pena tirá-la com a mão, mesmo que por uma noite, dose pequena.
Pegou o telefone. Bastava ligar e pedir. Estaria à porta em quinze minutos e dentro de si, no minuto seguinte.

Uma dor furava o estômago de dentro pra fora, como se a verdade quisesse sair, como se o que não foi dito tomasse forma e lhe rasgasse. O que mais havia a dizer?
Gritava, gritava, um grito que não saía, um choro que não fluía, uma dor que não tinha nome. Nesta casa não dizemos mais aquele nome. O nome da sua vontade, da sua saudade, do amor que tinha. Só por hoje, ser forte. Só por hoje, ser franco. Só por hoje ser maior do que o medo de permanecer sozinha. Quase toda dor é mesmo uma luta sozinha, injusta, mesquinha. Não, estava enganada. Ele não era a cura, mas o motivo de estar doendo. Havia de também passar um dia.

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