Cavalos-marinhos

Parou e fincou os pés na areia, como se jamais fosse sair dali. Olhou demoradamente para as ondas acinzentadas — Você não vai entrar, Natan? — esticando o olho — Não, pai. Eu não gosto de entrar, eu gosto de olhar — respondeu o homenzinho. Acho que nesse dia, Natan resumiu, sem querer, minha questão de uma vida inteira. Assim me parecia o amor: uma força incrível da natureza, majestosa e perigosa, que eu preferia observar da areia, sem ter que lutar contra as ondas.

Quando caminhávamos nas pedras, Natan puxou-me as pontas dos dedos, chamando a atenção, sem querer fazer barulho — Olha aquilo, pai! — eram cavalos-marinhos — Um dia, Natan, eu tinha quase a sua idade e ouvi uma história que jamais saiu de dentro de mim —colocando-o numa pedra mais alta — Era sobre uma corrida. Uma corrida de cavalos-marinhos. Mas, eles não competiam pra ver quem chegava primeiro. Competiam pra ver quem cruzava a linha de chegada por último — olhando para aqueles olhinhos esbugalhados.

Natan amarrou os beiços. Não queria interromper, não a mim, mas aos cavalos da história — Você deve estar pensando que isso não tem a menor lógica, não é mesmo? — a cara dele confirmava que sim — Mas você precisa entender que os cavalos-marinhos estão sempre sendo levados pela correnteza. A competição não é sobre agilidade, mas sobre força, sobre quem se mantém por mais tempo acima da ansiedade — aquele finalzinho ele não pegou.

Como ensinar pra um guri de oito anos o que era ansiedade? — O que é ansiedade, pai? — pronto, caminho sem volta. Fui tentando. Ansiedade era perguntar se tava chegando do banco de trás do carro, era querer abrir todos os presentes logo duma vez no dia do aniversário, era ficar com medo de tirar nota ruim na prova de geografia, ansiedade era querer que o tempo soprasse a resposta do enigma, roubasse no jogo, piscasse um sinal com o olho. E ela vai arrastando a gente para futuro como uma corrente do mar. É preciso ser forte para viver o presente.

Não sei se o Natan entendeu completamente. Ele estava mais preocupado em observar os bichinhos, em vê-los graciosos, de um lado pro outro. Natan ria. Virava o corpo pra trás, segurava na barriga e ria mais. Ele estava mais preocupado em amar cada nova descoberta, como quem ama o mar de fora, sem tocá-lo. Natan não estava preocupado em entender os contextos, nem ler os futuros. Natan estava compenetrado em escrever o presente.

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