Cartas Para Gabriel

Querido Gabriel, desculpe a demora em lhe responder. Eu nunca sei bem o que dizer quando me perguntam sobre o amor. Eu não entendo nada sobre isto. Como você, o vivo imensamente. O amor é nossa religião, sem razão ou lógica. Somos como homens do campo, que dedicam sua vida inteira a plantar a existência e muito pouco sabem contar sobre ela.

Dia desses, observava um casal de velhos cegos atravessando a rua. A segurança dela estava toda depositada ali, na mão frágil dele. Tão ou mais cego que ela, era o amor dele que a fazia se sentir segura em meio à movimentada e barulhenta avenida de carros. O amor estava ali, diante de mim, atravessando a rua com seus passos miúdos e cansados. Eu poderia passar todas as tardes longas de domingo descrevendo o que vi, ciente de que jamais entenderei. Vai ver que o amor não foi feito pra isso.

Entendemos ainda menos dos amores que se perderam por aí. Quando você me pergunta o que fazer diante da sua dor, quando você questiona de que forma esquecê-lo, o meu silêncio cresce como os olhos abismados de uma criança perdida.

Cada vez mais acredito que o amor não aceita devolução. Amor, não entende o acaso da vida, a falta de tesão, a perda da fé. O amor não pode ser esquecido como uma fórmula matemática ou o nome de um antigo vizinho. O amor esteve fundo demais em nós para simplesmente deixar de fazer parte de cada célula minha e sua.

Acredito, Gabriel, que você consiga com o tempo, se afastar da falta, do medo de ser só, da rotina que aprendeu a chamar de vida. Que com o tempo, você esqueça o gosto, o cheiro dela pelas manhãs, a data do aniversário. Você vai aquarelando os tons, envernizando a culpa, desistindo da falta. Não sei se pode-se esquecer alguém que já morou dentro da sua alma, mesmo que por uma temporada, mesmo que por um verão. Ela se foi, mas deixou no piso os arranhões do peso dos móveis e, nas paredes da sua vida, a aura amarelada dos antigos armários.

A gente não esquece, porque a nossa prece diária, o nosso mantra de todas as noites e manhãs, o “Eu te amo”, parece ser na verdade, uma promessa silenciosa de devoção. O nosso coração esquece caminhos, apaga números, extirpa lembranças, mas nunca se esquece de uma promessa feita. Amar é se prometer. Parte do seu coração já foi dada, querido amigo. O amor é um casal de velhos cegos procurando sempre o outro lado da rua.

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