Amor à primeira vista

Aos quinze anos, ela nunca tinha olhado para os lados, nunca tinha notado nada que lhe chamasse a atenção nos garotos da rua. Só mesmo aquela implicância cotidiana. Kauê meio que destoava porque seu sorriso era diferente de tudo que ela havia conhecido. Era dividido em três etapas: primeiro, seus lábios recuavam só um pouquinho, se abriam ao fundo para os cantos, para então derramarem um sorriso lá frente. Três etapas, como uma onda de mar.

E assim foi: Kauê tinha um sorriso, João tinha uma moto, Guilherme era engraçado, Diogo a deixava louca. Kauê durou alguns meses, João dois anos, Guilherme permaneceu por sete e Diogo a deixou louca por cinco anos, quatro meses e dezoito dias. Ela estava ali, me contando isso, com um ar de quem caminhou a vida inteira e não chegou aonde deveria: — Acho então que eu preciso de alguém que goste de mim como eu sou… — desenhando com seus hashis no shoyu — E como você é, Juliana? — me meti.

E ela se abriu em um silêncio tão grande que saiu engolindo todas as mesas em volta, todas as pessoas andando na rua, até a esquina, todo o bairro e a cidade, como a sombra pesada de uma nuvem. Juliana percebeu que não sabia nada sobre si mesma — Muito prazer, Juliana — completos estranhos. Em meio àquele turbilhão de sentimentos alheios misturados, de amores emendados, de histórias seguidas, de caminhos acompanhados, Juliana nunca tinha ficado sozinha. E a alma da gente gosta de conversar com privacidade.

Quando sozinhos é que o coração vem contar segredos. Não se arruma a casa ainda com os convidados da festa dentro. A casa é arrumada no silêncio do dia seguinte, com sua música preferida, sua roupa folgada, devagarinho, de um canto pro outro, até a gente ter de volta os nossos espaços. Juliana percebeu que tinha chegado a hora de começar um novo relacionamento, dessa vez consigo mesma. Amor à primeira vista.

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