A delicadeza do fazer

Ia ver Caio. Gosto tanto de conversar com ele que quando sei que vou vê-lo, fico revisitando as pautas, organizando os assuntos na minha cabeça. Eu ensaio mentalmente nossa conversa. Enquanto fazia isso, pensei em levar um presente. Caio adora escrever também. Daria um caderno.

Lembrei que, dia desses, passando pela papelaria, tinha me apaixonado por um papel de presente antigo, com flores imensas nele. Entrei e comprei, sem saber quando o usaria. Por alguns minutos, fiquei tão contente, ali, apanhando da fita adesiva, brigando com a borda que teimava em ficar torta, segurando a tesoura do jeito errado, como sempre faço: enfio o polegar no espaço pros outros dedos e os dedos no buraco menor.

Tentei me lembrar da última vez que embalei um presente, pensando em como seria bom que, alguns minutos depois, destruíssem tudo aquilo com a surpresa estampada no rosto. Pensei em como estamos ficando sem tempo para a delicadeza. Há quanto tempo não secamos uma folha dentro de um livro, só pra um dia, depois, encontrá-la lá, adorável? Há quanto tempo não colocamos nossa música preferida para ouvi-la de olhos fechados? Há milhares e milhares de séculos não temos tempo para sentir o cheirinho que antevê o beber do café.

Faz séculos que a gente não se esforça pra ver as estrelas, aprender o nome de uma constelação nova. Foi em outra vida que a gente alinhou os lápis de cor pra fazer um desenho bonito e dar de presente pra alguém? Eu adoraria ganhar um desenho, um bordado, um crochê, um pão feito em casa, qualquer mimo delicado que tenha passado pela delicadeza do fazer.

Em tempos em que não temos tempo nenhum, existirá presente maior do que tirar dois minutos pra amar de um jeito diferente? Caio adorou a lembrancinha. Eu adorei estar com ele. Estar com quem desperta o melhor na gente é sempre um presente. Estar com quem acorda na gente a delicadeza que a pressa adormeceu.

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