Se Ter Vazio

Querido Gabriel, após tentar de todas as formas, como me disse, chegou à triste conclusão de que não pode amá-lo. Ele é a pessoa perfeita, na hora perfeita, mas ainda assim, algo lhe falta. Tem os olhos cálidos de tanto que te amam, tem em ti seus mais doces pensamentos, e uns braços gigantes que o adotam toda vez que te abraçam. Ele te dá tudo o que você precisa, mas ainda assim, não o que lhe basta. Como já disse, em outra oportunidade nossa, nem toda casa espaçosa se torna um lar. E o que é o amor do outro senão morada?

Sabe como os povos do Boqueirão da Onça fazem um tambor? Eles queimam uma tora de árvore antiga, aquecem o couro, que range com o som de um choro, machucam a madeira até ocá-la, lixam, esticam nele a pele até que desista de ser outra coisa. Ao final, de toda a tortura morta, o som que se escuta é forte e vívido, como as primeiras palavras de uma criança. Mas o que mais me encanta é que para ser forte, para ser som, para ter sentido, o tambor precisa ter-se vazio, como você se tem agora.

Se você não o ama, se não suporta mais viver de metades, se acha injusto, abraçá-lo e fazê-lo ainda mais sozinho, é melhor que o deixe às margens da ironia que é ser só por inteiro. Lembre-se de não mais lamentar seu vazio, seu peito que não ama ninguém. Lembre-se de aceitá-lo arredio, tardio, calado, na paz de quem trata o próprio silêncio com a delicadeza necessária. Da dor que você partiu, para o vazio que sente agora, brotará o mais puro dos ritmos involuntários, embanhecido de coragem, uníssono da verdade, ecoando o som indubitável e inconfundível de um amor que valha.

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