Presente

Todos os sábados à tarde, seu Lidiomar vinha nos visitar. Um velhinho lindo, cabelos branquinhos, negro, sempre vestindo branco, impecável, sandália de couro. Ele era amigo da família a mais tempo do que eu era parte dela e sempre me entretia com suas histórias de medo. A que eu mais gostava falava de uma estátua do antigo Egito que se movia sozinha.

Ela ficava numa pequena vila, remetia a um homem com uma lança que olhava fixamente para frente. Todas as noites, ela se movia alguns centímetros. Primeiro pensaram se tratar de uma piada de mau gosto, depois de muito vigiarem, convenceram-se que algo mágico acontecia ali todas as noites. Assustados tentaram amarrá-la, e ela se movia. Cercá-la com estacas, que ela rompia. Prendê-la com pedras, que pareciam se mover junto com ela.

Por fim, uma ideia surgiu: decidiram cortar a estátua em três partes, separando do corpo, a cabeça e os pés e enviando-os a milhares de quilômetros em três direções diferentes. Finalmente, a estátua parou. Eu adorava aquelas histórias e as ouvi atentamente até o dia em que seu Lidiomar parou de aparecer.

Iguais somos: com os pensamentos, sentimentos e ações alinhados, nos movemos, ainda que lentamente, ainda que contra a crença dos outros, mesmo que contra sua vontade. Se vivemos com o coração no passado e a cabeça no futuro, estão nossos pés inutilizados sem ter quem lhes guie adiante. Só somos verdadeiramente completos, felizes e capazes quando vivemos o presente com todas as nossas partes.

Sim, o passado nos agarra, como amarras e o futuro nos assusta como estacas, e é para lá que vamos centenas de milhares de vezes por dia. Como se tivéssemos pegado no sono. Juntemos nossas partes, atentos ao presente. Amargar nos erros do passado é tão eficiente quanto temer o que ainda nem é da gente. A receita é: sentir o que está à volta, amar o que está ao alcance, desejar o que mora aos olhos, caminhar pra onde os pés apontam. Quando somos gratos, nada pode nos separar, nem parar a si. Interrompa agora mesmo o que está remoendo e vá viver o presente. Ele não tem esse nome atoa.

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