Os Pesos Que os Outros Nos Dão

Conheci Zofia há alguns anos quando a recebi em casa. Ela viajava pela América do Sul com sua mochila e ficou uns dias lá em casa. Sempre muito doce, ensolarada, Zofia adorava falar sobre suas andanças pelo mundo. Zofia foi a polonesa mais brasileira que já conheci.

Em seu último dia na cidade, lhe dei uma escultura de madeira em formato de pássaro que ela havia adorado na feirinha de artesanato. Era pequena, cabia na palma da mão. Ela a pegou, aninhou entre os dedos, me abraçou e disse – Obrirrigado – com seu português meio polaco. Foi aí, que ela me ensinou uma das coisas mais lindas e difíceis que já aprendi na vida.

Ela beijou o pássaro e me devolveu, como quem entrega uma criança recém-nascida, de um par de braços para o outro – Você não quer? – perguntei meio sem jeito – Eu não posso levar. Vai pesar na mochila. Só o essencial. Só o essencial – sorriu e saiu andando para a cozinha. Fiquei ali parado com o passarinho na mão, meio boquiaberto. Nos primeiros dois segundos achei de uma grosseria sem precedentes, mas aí me veio o voo.

Ela tinha muito mais motivos para se ofender que eu. Afinal, eu estava tentando lhe dar algo que ela não podia carregar. Em mochilas de viajantes, tudo é peso. Cada pequeno objeto deve ser muito bem pensado, porque é a soma deles que torna uma mochila possível ou impossível de se carregar. Pra mim, aquele passarinho não pesava nada. Pra mim. Pra ela era presente de grego.

A gente vive fazendo isso. Quando não fazem isso com a gente. Oferecemos um peso, uma cobrança, uma necessidade de afeto que o outro não pode carregar pelo simples fato de que para nós é fácil e muitas vezes até prazeroso. Quantas vezes já nos deram responsabilidades que não eram nossas? Culpas que não cabiam na bagagem da gente? E a gente carregou sem reclamar. Depois de conhecer Zofia, aprendi. Se sei que não será possível, eu agradeço e devolvo com cuidado pra não machucar. Sigo carregando só o que é essencial.

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