O Que Ninguém Contou Pra Gente

Ninguém disse pra gente que um dia nós teríamos preocupações maiores do que passar de ano. Ninguém contou que não haveria volta após nosso primeiro cadarço amarrado, nossa primeira ida independente ao supermercado, nosso primeiro coração despedaçado. Ninguém disse que o sono que nos arrasta de volta pra cama, um dia, simplesmente iria embora, deixando a gente na companhia dos pensamentos lentos e dos filmes antigos na TV.

Foram contando aos poucos, que o céu não era azul e que o velhinho vestido de vermelho e barba no shopping ganhava por hora pra ouvir da gente nossos perrengues. O que ninguém contou é que ser adulto é olhar cada vez menos pro céu e contar cada vez mais para os estranhos os perrengues da gente. Para alguns deles, a gente também paga por hora.

Ninguém disse que a comida da nossa mãe, da qual a gente mais reclamava, era a que um dia ia fazer mais falta. Ninguém disse que os amigos poderiam um dia sumir tão magicamente quanto apareceram, após cumprirem sua missão graciosa de nos ensinar um truque novo. Porque raios ninguém contou que um dia nossas gordurinhas e dobrinhas iam deixar de ser graciosas pro mundo? Eu adoro as suas. Adoro tudo que venha com você. Adoro tudo que fica comigo.

Ninguém disse pra gente que havia dor maior que caco de vidro na sola do pé, testa fincada na quina da porta, maior do que as dores dos dentes cadentes feito estrelas. Ninguém disse que depois de crescidos, chorar não ia resolver grande coisa. Que chorar só iria fazer jorrar uma fonte abundante que a gente carrega por dentro e que o povo antigo chama de fé.


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