Ermo

Algo tem me consumido. Uma vontade louca de ir-me ao ermo, lançar-me à rua como quem lança panfletos, como quem grita verdades, ainda que ninguém escute. De espalhar-me por aí, como que não tivesse pecados e levinho, levinho, seguisse com o vento, bandeando-se para qualquer lado.

Queria dividir-me por aí como quem já não se cabe mais, tem de si a contento. Tornei-me pequeno pra mim mesmo. Queria envolver-me de um papel bonito e enviar-me pra presente pra todos os meus amigos. Tornei-me grande demais para caber nos meus sonhos.

E assim fico, batendo a porta da rua e voltando. Esqueci o embrulho, esqueci o lixo, esqueci a lista, esqueci o agasalho e eis que, de esquecimento em esquecimento, fazendo a porta da rua de leque, nunca saio. Há sempre algo minúsculo me prendendo.

Quartas não são dias bons para ir, tardes tarde demais para ir, o mar longe demais pra alcançar, ainda que ele também se estire em minha direção. E assim, algo tem me consumido. O que é mesmo que me prende aqui? Por que não deixo a porta escancarada e saio, deixando para dentro todos os esquecimentos? Por que não lanço-me para cima como uma pilha de cartas sorteadas no programa da TV de domingo?

Paro por um segundo, só decidindo que direção seguir, só me perguntando pra onde quero ir. Direita ou esquerda? Já fora do portão. E então me lembro que foi aqui o lugar em que sempre quis estar. Foi para cá que eu fugi. Algo tem me consumido. Não sei o que se faz da vida depois que se é feliz. Como um cão atônito ao ver o carro que perseguia simplesmente parar.

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