Todas as Canções São Sobre Despedidas

Última dança. Despeço-me do seu cheiro como quem abandona a luz. Sua mão na minha nuca já não me toca, seu braço enroscado já não me guarda, antes mesmo de você chegar com seus olhos baixos, eu já estava só. Últimas notas. Seus olhos me pedem para dar algum sentido, mas, querido, certas canções não se pode explicar. O sentido é o que é sentido.

Último afago. Como desistindo de tocar uma nuvem, tocando mais forte e depois mais leve para ir se acostumando a esquecer, a se distanciar do que mora por dentro. Último olhar. Guardando todas as cores que ainda é possível, porque enxergar é diferente quando te ver se torna impossível. Dois tons a menos, seis graus de miopia. Quem dera eu jamais enxergasse o que vi em você.

Último choro.  Derramo também sobre a terra meus sonhos. Os lugares que quis te mostrar, as noites que pensei que teria, os dias que ansiavam os pedidos. Choro por sua falta, pela casa que desenhamos, pelos filhos que teríamos, pelo homem que eu me tornaria te amando. Última saudade, como uma parte sem medida se desfarelando.

Último abraço. E já estou mais miúdo, mais fraco, mais covarde. As vozes repetiram três vezes que me deixasse, sem nem mesmo ter visto uma vez como te olho. Então sou eu quem me deixo, sou eu que me largo, sou eu quem me esqueço, como único modo. Despedir-me de você nunca esteve nos meus planos. Agora todas as canções que ouço falam sobre despedidas.


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