Pronome

A gente vai se embaralhando até nos tornarmos uma falta de ordem que faz com que só tenhamos mesmo sentido, juntos. A gente vai se encaixando nos espaços, revestindo os silêncios com o ar da respiração alta. A gente descansa, como uma margem descansa, como um abismo descansa, na paz do outro e ele na nossa.

De tanto te pertencer, de tanto caminhar longe dos meus territórios, eu me perdi. Eu escuto aquela música sem fundo, como os porquês de uma criança, infinita. Já nem posso chorar, já nem posso prever. Meu riso tantas vezes acaba em desespero, meu grito tantas outras se acalma e sorri. Destempero.

Eu leio aquele poema sem fim, como os arrependimentos de homem envelhecido, do final para o começo. Do final e recomeço. Encontro uma camisa que é sua, dou um passo para trás, para lugar nenhum. Sei que não estou pronta para o fracasso do tempo. Não estou preparada para aceitar as roupas que não vestem, os livros monossilábicos, nem os chinelos estrábicos sem superstição. Eu não estou pronta para apagar lembranças, para eliminar as pistas, para abandonar um pronome maior do que eu. Nós.

Há por toda a casa, em cada canto minúsculo, um novo sintoma de você. Não sei se estou me curando ou adoecendo da falta. Acho que a dor anda dormindo de tão cansada. Acho que a dor anda amortecendo, que é um jeito de ir sendo, ainda que farta, ainda que morta, por dentro.

Nada sai do lugar, nada se desarruma, não existem surpresas no sentido das coisas, ocas. Os poucos minutos de paz que tenho, vêm da visita do esquecimento. É um alívio não saber onde está o pegador, o carregador, qualquer coisa. É um alívio esquecer. O dom curto de esquecer me traz de volta a fé de um dia não saber mais onde você está e acabar te encontrando ao refazer os meus passos, como quem encontra as chaves de casa, como quem encontra a presilha do cabelo, como quem encontra outra vez sua razão de ser.

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